A interrupção do futebol devido a pandemia da COVID-19 teve um forte impacto na economia dos clubes em Portugal e no Mundo. Fonte da Liga de Clubes disse ao 'Jornal Económico' que o organismo espera perdas entre 350 e 400 milhões de euros na indústria do futebol em Portugal por dois meses sem o desporto-rei.

Habituados a viver sempre no limite, os clubes profissionais em Portugal viram fechadas as 'torneiras’ das receitas, ao ficaram sem as verbas provenientes das transmissões televisivas, assim como da bilheteira e mershandising, ao mesmo tempo que mantinham os custos com salários de jogadores, staff técnico e demais funcionários.

Com a declaração do estado de emergência, os clubes fecharam portas, enviaram os funcionários para casa e começaram a fazer contas à vida. A solução foi avançar para cortes nos salários, tal como aconteceu em vários clubes dos principais campeonatos europeus, recorrendo ao regime de 'lay-off' simplificado, uma das medidas extraordinárias aprovadas pelo Governo português para proteger os postos de trabalho na resposta à pandemia de COVID-19.

Este regime foi adotado em Espanha com o nome de ERTE (expediente de regulação temporária de emprego) e foi utlizado por Barcelona, Atlético de Madrid, Espanyol, Alavés, Osasuna e Sevilha. Já em Inglaterra foi anunciado o ‘lay-off’ parcial de Tottenham, Newcastle, Norwich e Bournemouth, que deixaram de fora os futebolistas e abrangeram apenas outros funcionários.

A Belenenses SAD foi o primeiro representante da I Liga de futebol a formalizar o recurso parcial ao ‘lay-off’ simplificado junto do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (MTSS), enquanto o Desportivo de Chaves foi o primeiro da II Liga a seguir o mesmo caminho. Neste regime, os salários dos jogadores, técnicos, e restante staff são reduzidos a dois terços para um máximo de 1905 euros (11 por cento será descontado para a Segurança Social), sendo que 70 por cento desse valor é suportado pelo Estado. Os clubes que recorreram a este expediente tinham de ter uma "quebra abrupta e acentuada de, pelo menos, 40 por cento da faturação", nos 30 dias anteriores.

Estádio do Sporting CP
Estádio do Sporting CP

O Sporting também avançou para o 'lay-off' ao adoptar "medidas de suspensão temporária da prestação de trabalho e de redução do período normal de trabalho, bem como medidas de redução dos contratos com prestadores de serviços, abrangendo cerca de 95 por cento do universo dos trabalhadores dependentes e independentes". Os 'leões' esperavam reduzir os custos com pessoal em 40 por cento no período entre 16 de abril e 16 de maio, período de duração do 'lay-off'. O Sporting já tinha avançado com cortes de salários, para metade, dos membros do conselho de administração, e ainda uma diminuição em 40 por cento dos salários dos futebolistas e equipa técnica.

Operadoras ajudam a 'aliviar' impacto da crise no futebol

Com a suspensão dos campeonatos profissionais a 06 de março, soou o alarme nos clubes da I e II Liga: e agora, como cumprir com os compromissos assumidos? A dependência das receitas de patrocínio, bilheteira e da venda dos direitos de televisão deixaram os emblemas dos campeonatos profissionais em situação crítica nestes tempos de pandemia.

As operadoras que também patrocinam os clubes podiam recusar-se a pagar pelos jogos de março que não foram realizados, algo que deixaria muitos clubes sem a principal fonte de receitas. Mas, após reuniões entre as partes, mediadas pela Federação Portuguesa de Futebol, as operadoras Altice, NOS e Vodafone, assim como a Sport TV, detentora dos direitos de transmissão dos jogos da I liga e II liga, acabaram mesmo por pagar os restantes jogos de março, ajudando dessa forma os clubes num momento difícil.

Fernando Gomes, presidente da FPF, agradeceu às operadoras de televisão por cumprirem "com o que foi estabelecido", referindo-se à decisão de manter o pagamento dos valores da transmissão dos jogos aos clubes da I e II Liga, e considerou ainda que "a decisão tomada por Altice, NOS, Vodafone e SportTV " representa "um passo importante para que possamos conseguir um ponto de equilíbrio que muito ajudará a ultrapassar uma crise inesperada."

Mas as operadoras deixaram claro, de acordo com o jornal 'O Jogo', que as duas faturas restantes, correspondentes aos meses de abril e maio, só seriam saldadas se as dez jornadas em falta fossem concluídas, algo que irá acontecer a partir de 04 de junho.

Alexandre Fonseca, presidente da Altice Portugal
Alexandre Fonseca, presidente da Altice Portugal créditos: DR

A Altice, num comunicado publicado no início de abril, referiu a seguinte posição: "Todos os pagamentos estão regularizados junto dos clubes patrocinados, como muitos destes receberam o adiantamento de valores, se considerarmos a execução dos contratos versus os jogos efetivamente realizados, ou mesmo o decorrer do calendário, podendo, pois, considerar-se que houve já lugar a pagamentos referentes a jogos não realizados". A Altice considera estar a pagar o que não devia e é possível que não o faça no futuro, fazendo depender a decisão do regresso da Primeira Liga.

Fernando Gomes alertou, no entanto, num artigo de opinião divulgado em vários jornais, que o futuro do futebol não está garantido e que é tempo de partir para a construção de um novo caminho, depois do impacto da pandemia de COVID-19. O líder da FPF diz acreditar que na abertura parcial da sociedade, uma das prioridades do futebol nacional "será tornar a sua atividade mais sólida", considerando ser importante diversificar fontes de financiamento no futebol nacional. Fernando Gomes explicou que os orçamentos dos clubes não podem estar dependentes das participações nas competições europeias.

Um estudo recente da KPMG, 'The European Champions Report', sublinhava que o Benfica era o que mais dependia das receitas televisivas entre os campeões das oito maiores ligas europeias, com as verbas de TV a terem um peso de 61 por cento nas receitas do clube 'encarnado' na época 2018/2019. Dos 100,9 ME de euros de receitas de televisão, 44,1 ME (estáveis) advém do acordo de dez anos com a operadora NOS, em vigor desde 2016/2017.

A KPMG alertava para o facto de "Portugal ser a única liga representada no estudo em que os clubes negoceiam individualmente os seus direitos televisivos". Uma estratégia que "permite que os dois maiores clubes portugueses (Benfica e FC Porto) maximizem as suas receitas enquanto o campeonato nacional sofre um evidente desequilíbrio competitivo, sendo que nos últimos 17 anos apenas Benfica e Porto venceram a Primeira Liga".

Além disso, Portugal terá de pensar o seu modelo de distribuição de receitas de TV. É importante centralizar a distribuição, algo que só deverá acontecer a partir de 2027, de acordo com dados do Governo. Num recente estudo, a UEFA apontava a Primeira Liga como o campeonato com maior disparidade na distribuição das receitas televisivas, quatro vezes mais do que o segundo país com maior disparidade. O rácio de um clube grande para clube médio é superior a 1.500 por cento em Portugal, comparado com uma média de 240 por cento nas 24 ligas com venda centralizada.

Jorge Simão: “Sem a centralização dos direitos televisivos, vai continuar a acentuar-se a diferença entre as equipas que jogam para serem campeãs e as outras"
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Portugal apresentava, de acordo com o estudo da UEFA de 2018, o sétimo maior mercado de direitos televisivos. Em 2007 o qual valeu em 2017 um total de 126 milhões de euros, atrás de Inglaterra (2,9 mil milhões), Espanha (1,2 mil milhões), Itália (mil milhões), Alemanha (820 milhões), França (617 milhões) e Turquia (295 milhões de euros).

Cada clube na primeira divisão portuguesa recebe em média, por ano, sete milhões de euros de receitas televisivas domésticas, contra 145 milhões de um clube inglês, 62 milhões de um clube espanhol e até 16 milhões de um clube turco.

Benfica, FC Porto e Sporting com perdas de 27 ME por mês

Os três meses sem futebol (março, abril e maio) podem representar perdas de 60 milhões de euros apenas nos 'três grandes' do futebol português. As contas são de Alfredo Silva, professor da Escola Superior de Desporto de Rio Maior, coordenador da licenciatura de Gestão das Organizações Desportivas. Em declarações à agência Lusa, Alfredo Silva estimou em mais de 27 milhões de euros por mês as perdas de FC Porto, Benfica e Sporting, devido a pandemia de COVID-19.

Benfica vs FC Porto
Baró a conduzir a bola no clássico. créditos: EPA/MIGUEL A. LOPES

O especialista chegou esses valores somando as três "áreas de negócio" mais relevantes em termos de receitas. Na bilheteira pode existir "uma perda real mensal de 4,3 milhões de euros", números ponderados com os mais de 3,5 milhões de espetadores que assistiram a jogos da I Liga em 2018/19, a maior fatia dos quais em torno destes três rivais.

A quebra será maior quando se fala de transmissões televisivas. Com o campeonato parado, não só os adeptos não podem marcar presença nos estádios, como não conseguem assistir às partidas em casa, através da televisão. Nesse cenário, em apenas um mês, as perdas com a distribuição televisiva das partidas, bem como outros conteúdos relacionados, originariam "uma perda de 17 milhões de euros" para os três clubes.

O outro eixo de perdas possíveis prende-se com os patrocínios e outros contratos de publicidade, que podem "ser mitigadas" para os clubes, mas acabam por afetar mais "as empresas e marcas patrocinadoras". "Os contratos poderão ser renegociados, facto que pode originar [para os clubes] perdas mensais de seis milhões de euros", acrescenta o docente universitário.

Desvalorização da Primeira Liga atinge os 185 milhões de euros

Sem jogos e com os jogadores a não se valorizarem, o impacto da pandemia de COVID-19 vai crescendo a cada dia. Na Liga Portuguesa, esse impacto será superior a 180 milhões de euros mesmo com a retoma programada para 04 de junho, aponta um estudo da consultora KPMG, revelado a 06 de maio.

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Antes do início da pandemia, em fevereiro, a Liga Portuguesa estava avaliada em 1.077 milhões de euros. O retomar dos jogos à porta fechada no próximo dia 04 de junho, atenua, mas o valor total dos clubes descerá 17,3%, para 891 milhões de euros. Caso não fosse possível a retoma da I Liga, as perdas estariam na ordem dos 26,4%, para 792 milhões de euros.

Relativamente a outros campeonatos, na Liga francesa, por exemplo, que já foi dada oficialmente por concluída prematuramente, a perda total rondará os 27,1%, passando a sua avaliação de 3.730 milhões de euros para 2.720 milhões.

Um dos impactos desta pandemia será sentida no mercado de transferências do próximo verão. Com os jogadores parados e a crise financeira instalada, haverá menos poder de compra por parte dos clubes, assim como um maior cuidado nos investimentos. Mesmo os emblemas com maior poder de compra como são os casos da Premier League, tenderão a ter mais cuidados no mercado.

De acordo com um estudo realizado pelo Observatório do Futebol (CIES), o valor de transferência dos jogadores cairá perto de 28%, de 32,7 para 23,4 mil milhões de euros (ME), se não se disputarem jogos ou não existirem renovações até ao final de junho. Mas tudo irá depender das datas do fim dos campeonatos e como ficarão as questões contratuais dos atletas.

Estado também perde com paragem do futebol

A crise financeira no futebol provocada pela pandemia de COVID-19 também tem implicações nas receitas do Estado. Fiscalistas ouvidos pela agência Lusa sublinharam que cortes salariais dos futebolistas da I Liga durante a pandemia de COVID-19 podia reduzir a receita tributária do Governo entre cinco e seis milhões de euros (ME) por mês.

"Na última época, foram pagos quase 230 milhões a jogadores e treinadores e um corte de 50 por cento durante três meses pode representar uma poupança a rondar os 30 ME em salários. Com a consequente redução do IRS, admitindo taxas marginais a rondar os 48 por cento e a Segurança Social, estaremos a falar à volta de cinco ME por mês", estimou Samuel Almeida, especialista em direito fiscal da sociedade de advogados Vieira de Almeida.

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Além dos descontos a menos, relacionados com a “inevitabilidade de reduzir a massa salarial”, José Maria Montenegro, do escritório Morais Leitão, justifica a queda do montante a receber pelo Estado com “todas as operações que cessaram ou se reduziram significativamente”, como a descida de patrocínios e de ‘merchandising’ ou a ausência de venda de bilhetes e de dias de jogo.

De acordo com a última edição do Anuário do Futebol Profissional Português, a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e respetivas sociedades desportivas geraram quase 607 milhões de euros em volume de negócios, contribuindo com 24 ME em impostos e mais de 396 milhões para o Produto Interno Bruto (PIB) português na época 2017/18.

"Falamos em cerca de 0,2% do PIB e a I Liga representa 95% desse valor, excluindo IRS. Aqui não estão incluídas diversas variáveis como impactos em publicidade, receitas das operadoras de televisão, turismo, apostas, equipamento e material desportivo, além de montantes poupados ao Estado no fomento do desporto", alertou Samuel Almeida.

Os três meses sem futebol (e acreditando que a I Liga será mesmo retomada no dia 04 de junho) terá grandes implicações nos clubes mas também nos atletas e até no próprio Estado.

Mas há outras entidades, que dependem direta e indiretamente do futebol, que acabam por perder, como são os casos da comunicação social especializada, dos negócios que exploram este mercado, como a venda ambulante em torno dos estádios, dos cafés que se enchem em de clientes em dias de jogos.