Um dos maiores receios no mundo desportivo é o não regresso do futebol ainda esta época, devido ao surto de COVID-19. Quando a pandemia atingiu o seu pico nalguns países europeus, cresceu o receio de não se disputar o que resta dos campeonatos, algo que poderia ser catastrófico para os clubes.

França e Holanda não esperaram muito e optaram por terminar as respetivas épocas, sem jogar as jornadas restantes. Na Ligue 1, o PSG, que liderava confortavelmente a prova, foi declarado campeão, algo que não aconteceu na Holanda, onde os responsáveis optaram por não atribuir títulos nas duas divisões de futebol profissional.

A Alemanha já retomou os seus campeonatos no passado fim-de-semana, Portugal irá faze-lo no dia 04 de junho. Inglaterra, Espanha e Itália ainda estão a estudar as datas e o formato do regresso dos respetivos campeonatos, sendo que há sempre o risco de não se voltar a jogar esta época.

Esse é o pior cenário possível na perspetiva dos clubes, pelo que as Ligas destes países estão a fazer todos os possíveis para que haja futebol, mesmo que à porta fechada. A crise financeira já está instalada na maior parte dos clubes, mas jogar sem adeptos nas bancadas podia minimizar a situação, já que, assim, as equipas podiam contar com o dinheiro proveniente das transmissões dos jogos.

Não terminar o que resta das ligas espanhola, italiana, inglesa significa perda de milhares de milhões de euros. As verbas provenientes dos direitos de transmissão dos jogos varia de liga para liga, sendo que representam uma grande fatia do orçamento dos clubes na Premier League, a mais rica de todas.

"Os jogadores não querem ser porquinhos-da-índia"

As perdas também se verificam nos planteis. De acordo com o CIES (Observatório do futebol), os valores dos planteis das equipas das equipas nas cinco principais ligas europeias terão uma desvalorização de 28 por cento, em média, se não for possível retomar os campeonatos até o final de junho. Ao todo, os clubes de Inglaterra, Espanha, Itália, Alemanha e França poderão ter perdas de 9,3 mil milhões de euros no valor dos planteis das suas equipas.

Inglaterra: entre as pressões e um plano 'Restart' que não arranca

Representantes dos clubes, associação de jogadores e Liga Inglesa continuam na procura de uma data para o regresso da Premier League, suspenso a 13 de março, quando estavam decorridas 29 jornadas. As partes continuam em reuniões mas com poucos avanços. Os jogadores não se sentem seguros, as autoridades sanitárias pedem o cumprimento de várias regras de segurança e higiene. No regresso aos treinos, foram detetados seis casos de COVID-19 nos clubes.

Só recentemente as partes chegaram a acordo sobre o alargamento dos contratos dos jogadores cujos vínculos terminam a 31 de junho. O Governo já deu 'luz verde' para o regresso da Premier League a partir de 01 de junho mas com jogos à porta fechada. Uma ideia que desvirtua o caráter do futebol inglês, conhecido pelos ambientes fantásticos criados e estádios cheios. Inicialmente, o projeto 'Restart', o plano idealizado pela Premier League para concluir a temporada, contemplava jogos num número reduzido de estádios mas os clubes querem jogar nas suas casas, mesmo que não tenham adeptos nas bancadas.

Manchester United vs Manchester City
Bruno Fernandes Bernardo Silva durante o dérbi de Manchester créditos: Lusa

Apesar dos receios dos futebolistas, a pressão para se jogar o que resta da prova é grande. E percebe-se: a Liga Inglesa quer evitar que os clubes tenham que devolver vários milhões de euros dos direitos de transmissão às emissoras. O valor, caso as 92 partidas restantes não possam ser disputadas, chegaria a 762 milhões de libras (872,5 milhões de euros).

E como a bilheteira representa apenas 13 por da receita dos clubes ingleses (de acordo com o último relatório sobre as finanças dos clubes da UEFA), o cálculo é fácil de fazer: é preciso concluir a temporada, mesmo sem adeptos nas bancadas. Os valores colossais dos contratos televisivos, recordistas no mundo, devem permitir aos clubes da Premier League atravessar a crise económica provocada pela pandemia sem a necessidade de vender sequer um bilhete para os jogos.

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Mesmo com o regresso dos jogos à porta fechada, há perdas. De acordo com a BBC, os emblemas ingleses poderão ter de devolver mais de 380 milhões de euros em direitos televisivos quer a operadores ingleses quer ao internacionais. Isto porque, segundo as operadoras, os jogos não irão decorrer da forma como estava prevista - com adeptos no estádio - e à hora original.

As perdas na Premier League podem chegar aos mil milhões de libras (1.14 mil milhões de euros) se a temporada 2029/2020 não for retomada, após a suspensão em meados de março devido ao surto de COVID-19. As perdas não são apenas dos direitos de TV: os clubes ingleses dependem muito das receitas geradas com a bilheteira de cada jornada e dos patrocínios comerciais.

Richard Masters, director-executivo da Premier League, alertou que há o risco de alguns clubes falirem, daí ser importante que recorram ao 'lay-off', aproveitando assim as ajudas do Estado para fazer face à pandemia de COVID-19.

"O meu pai tem asma. E se levo o vírus para casa?"

No plano desportivo, o Liverpool praticamente conquistou o seu primeiro campeonato em três décadas, mas há outras questões a serem decididas, como as equipas que o acompanharão na Liga dos Campeões e as que irão descer de divisão.

Espanha: Liga pressiona regresso, jogadores têm medo

Espanha é outro colosso europeu que ainda não definiu uma data para o possível regresso do futebol. Recentemente foi autorizado o regresso dos treinos em várias fases, que incluem a frequente realização de testes de detecção do vírus da COVID-19 nos jogadores e staff técnico dos clubes.

No regresso aos treinos, cinco jogadores da primeira e da segunda divisão espanholas deram positivo ao teste COVID-19. Os testes foram promovidos pela ‘La Liga’ no âmbito do protocolo estabelecido para o regresso aos treinos dos clubes profissionais espanhóis, tendo em vista o reatamento das provas. Apesar de não revelar a identidade dos jogadores em questão, sabe-se que Lodi, defesa do Atlético Madrid, Yangel Herrera, médio do Granada, e Remiro, guarda-redes da Real Sociedad, estão infetados. A imprensa espanhola adianta também que há dois casos no Bétis.

Liga Espanhola
El clássico entre Barcelona e Real Madrid créditos: OSCAR DEL POZO / AFP)

Estes resultados vieram dar razão aos atletas que temem pela sua saúde e pela dos seus familiares se o futebol voltar tão cedo. A Associação de Futebolistas Espanhóis (AFE) expressou a preocupação dos jogadores da I e II ligas, perante as pressões para o regresso das competições no país, salientando que "a saúde é o mais importante", face à pandemia de COVID-19.

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Mas um não regresso do que resta da atual Liga Espanhola pode ser catastrófico para os clubes. De acordo com um plano enviado por La Liga à AFE (associação de futebolistas espanhóis), as perdas podem chegar aos 957 milhões de euros se não se jogar o que resta da prova. Deste montante, 479,7 milhões de euros dizem respeito aos direitos de televisão que deixarão de ser pagos se não se jogar mais esta época. Se for possível jogar o que falta, mesmo que à porta fechada, os prejuízos seriam de 303,4 milhões de euros, de acordo com o jornal 'Marca'. Um cenário (quase irrealista, neste momento) de regresso das provas com público nas bancadas faria cair as perdas para apenas 156,4 milhões de euros,

Javier Tebas, presidente da Liga Espanhola, tem trabalhado para colocar os emblemas espanhóis mais perto dos ingleses no que a direitos de televisão diz respeito. Em 2019, os emblemas da Liga Espanhola receberam 1.864 milhões de euros. Em 2020/2021, irão receber 2.200 milhões de euros, verba que já foi acordada com as operadoras.

A Liga e a Federação querem que os jogadores assumam uma'fatia' da crise. Os dois organismos esperam que os atletas possam perder quase 50 por cento dos rendimentos nos próximos meses, de modo a ajudar os clubes.

Mas em Espanha, nem todos os clubes vivem a crise da mesma forma. Clubes como o Barcelona, que tem a folha salarial mais alta no mundo do futebol, sofreu e muito com a paragem do futebol. Jordi Cardoner, número dois do emblema catalão e responsável pelas finanças do clube, revelou que o Barcelona perdeu entre 120 a 140 milhões de euros, por força da paragem competitiva devido à pandemia da COVID-19.

"O Barça perdeu cerca de 50 milhões de euros em bilhetes, 39 milhões de euros da televisão, 20 a 25 milhões de euros das suas lojas e escolas de futebol. O impacto total estará entre os 120 e os 140 milhões de euros. Como a nossa base económica é sólida, isso não nos irá afetar da mesma forma que provavelmente afetará outros clubes", disse o dirigente à ESPN, adiantando que a política de contratações na próxima janela de transferências passará por trocar jogadores, ao invés de comprar.

O ‘Barça’ lidera atualmente ‘La Liga’, com 58 pontos, mais dois do que o Real Madrid, seguidos por Sevilha, com 47, e Real Sociedad, com 46, os mesmos de Getafe, que é quinto.

Itália: possível regresso do futebol gera divisões

Itália é dos países mais fustigados pela pandemia de COVID-19. Com o país a regressar, aos poucos, a normalidade, após o levantamento de algumas medidas de confinamento, há quem anseia pelo possível regresso futebol, depois de o governo ter autorizado o regresso dos desportos coletivos para o passado 18 de maio. É o caso de Giovanni Di Perri, diretor do Departamento Clínico de Doenças Infeciosas do hospital Amedeo di Savoia, em Turim.

"Não posso ser o cangalheiro do futebol italiano"

"Se alguém quiser encontrar soluções para reiniciar o campeonato, vai encontrá-las. Poderia ser um bom sinal identificar uma maneira segura de retomar a Série A, obviamente com os estádios fechados. Seria uma premissa obrigatória, pelo menos no contexto atual. Ter o futebol visível na televisão era capaz de dar um pouco de oxigénio ao comércio, através da publicidade e dos direitos televisivos", explicou o médico ao jornal italiano 'Tuttosport'.

Juventus vs AS Roma
Cristiano Ronaldo em ação créditos: Photo by Marco Bertorello / AFP)

Um possível regresso da Série A seria uma 'lufada de ar fresco' para os clubes de média e pequena dimensões, muito dependentes das verbas dos direitos de televisão e da bilheteira. Em declarações à 'Sky Sports', Gabriele Gravina, presidente da Federação Italiana de Futebol (FIGC) considera que o termino das competições prematuramente seria um desastre.

"O futebol movimenta cinco biliões de euros. Parar hoje seria um desastre mas estamos preocupados porque se o futebol não recomeçar vão existir problemas no futuro. Um decisão deste tipo pode levar a responsabilidades sem precedentes. Não posso ser o cangalheiro do futebol italiano. Tenho de defender o futebol e não percebo a resistência a recomeçar, com todas as garantias possíveis, uma reorganização do desporto", concluiu.

Um possível regresso só seria possível com jogos a porta fechada mas os italianos não se mostram muito favoráveis a essa possibilidade. Um estudo da agência AGI, mostra que dois em cada três italianos são contra o regresso das competições de futebol. Um em cada dois também está contra o regresso do desporto no geral, mesmo que seja à porta fechada.

O Governo tem alertado para a possibilidade de não se poder finalizar esta temporada, por questões de saúde. Numa entrevista ao canal italiano de televisão 'La 7', Vincenzo Spadafora, ministro italiano do Desporto, disse que, "se fosse presidente de um clube de futebol", pensaria sobretudo em "preparar a próxima época em segurança, que deverá começar no final de agosto". O dirigente político pediu que Itália seguisse os exemplos de Holanda e França.

Do lado do governo, reina o cepticismo. Sandra Zampa, subsecretária de Estado italiana da saúde, explicou que, num cenário de regresso, os jogadores e demais intervenientes devem estar numa 'bolha' em contacto apenas com pessoas saudáveis mas, ao primeiro caso positivo, pára tudo.

"Um novo positivo dentro de um clube? Tudo para, sem dúvida! A quarentena é accionada automaticamente e o campeonato também para. Se não parares, o vírus para-te a ti. Cuidar do futebol é cuidar das pessoas que trabalham lá", disse à Rádio Italiana 'Kiss Kiss', reproduzida pelo jornal italiano 'Tuttosport'.

No meio de tantas dúvidas, há algo que é certo: a perda de milhões de euros. O cenário mais pessimista coloca as perdas em 720 milhões de euros na Liga Italiana, caso não seja possível jogar o que resta da época, de acordo com um estudo da empresa de serviços financeiros 'Deloitte', citado pela 'Gazzetta dello Sport'. Num cenário de regresso do futebol, as perdas seriam de 170 milhões de euros.

No que a direitos de televisão dizem respeito, os cortes podem ir dos 120 aos 280 milhões de euros. A hipótese mais otimista enquadra-se num cenário de regresso do futebol, mesmo que à porta fechada. Diz o jornal 'La Stampa' a operadora 'Sky' deverá pagar entre 120 a 150 milhões de euros pelo que resta da prova. Mas sem futebol esta época, as perdas serão de 280 milhões só em direitos de televisão.

França: Liga faz empréstimo para pagar direitos de TV aos clubes

França foi o primeiro país a dar por terminada a temporada futebolística. Utilizando a classificação da altura da interrupção da prova, o PSG foi declarado campeão, Nimes, Amiens e Toulouse desceram de divisão.

O Lyon foi uma das equipas prejudicadas com esta decisão já que ficou fora das provas da UEFA, uma vez que se encontrava no 7.º posto. O emblema onde joga o português Anthony Lopes promete recorrer aos tribunais para inverter a decisão. O Lyon conta com o apoio do Amiens e Toulouse (também ameaçam recorrer aos tribunais), emblemas que foram despromovidos e que ainda tinham hipóteses de ficar na Ligue 1.

Ligue 1
Renato Sanches festeja golo do Lille, com José Fonte e Reinildo créditos: AFP or licensors

Com o fim prematuro da prova, o grupo Canal+, uma das detentoras dos direitos dos jogos da Liga Francesa, rescindiu o contrato para a transmissão dos jogos da Ligue 1 e Ligue 2 desta temporada. Aquando da interrupção dos campeonatos devido ao surto de COVID-19, o grupo de comunicação comprometeu-se a pagar 37 milhões de euros pelos jogos que não foram disputados antes da crise sanitária mas adiantou que não iria pagar mais nenhum euro se o campeonato de futebol não fosse retomado.

Até ao final da temporada, o Canal+ e a beIN Sports, o outro grupo de comunicação com direitos de transmissão dos jogos das ligas profissionais francesas, deveriam pagar mais 243 milhões de euros pelos direitos de transmissão dos jogos da Ligue 1 e Ligue 2.

Sem essa verga, a Liga Francesa de Futebol viu-se numa situação difícil. O organismo liderado por Nathalie Boy de La Tour solicitou um empréstimo, certificado pelo governo, para pagar aos clubes do primeiro e segundo escalão os valores que ficaram em falta dos direitos de transmissão dos jogos. A LFP não avançou o montante do empréstimo, que terá o estado francês como garantia, mas a imprensa local fala em cerca de 225 milhões de euros, referentes aos últimos dois meses da temporada.

No entanto, as perdas no futebol francês podem chegar aos 900 milhões de euros, de acordo com contas do presidente do Lyon, Jean-Michel Aulas. "Esta crise significa perdas de 900 milhões de euros para o futebol francês nesta temporada. E isso pode marcar-nos para a vida toda. Na Europa somos uma excepção. Não sei quem pode sobreviver", disse o líder do Lyon, frisando novamente que a decisão de terminar as provas profissionais de futebol foi "prematura e não totalmente legal".

Alemanha: Jogar para evitar o colapso da Bundesliga

A Bundesliga é, para já, a única das principais da Europa a voltar, 66 dias depois de ser interrompida devido a pandemia de COVID-19. O futebol voltou no passado dia 15 de maio, com os jogos da 24.ª jornada, na primeira e segunda divisão, algo que evitou que os clubes perdessem 300 milhões de euros em direitos de televisão.

As contas forma feitas pelo diretor do executivo do Borussia Dortmund, para quem voltar a jogar era crucial para "salvar o futebol".

De acordo com a revista alemã Kicker, 13 dos 36 clubes da primeira e da segunda liga estão à beira da falência. Werder Bremen e Schalke já admitiram que as suas finanças foram seriamente afetadas pela crise provocada pela COVID-19.

Esse regresso só foi possível graças ao compromisso de cumprir uma série de regras definidas pelas autoridades sanitárias, entre eles, jogos à porta fechada. Essa medida traz consigo prejuízos já que os clubes deixaram de contar com as verbas provenientes da bilheteira. De acordo com a revista alemã 'Kicker', 18 clubes da segunda divisão irão perder mais de 22 milhões de euros e os clubes da primeira divisão terão prejuízos de quase 67 milhões de euros (82 jogos restantes da Bundesliga) por jogar sem público nas bancadas. Esses dados tem por base as receitas da época passada.

A revista admite que estas perdas podem ser minimizadas se os adeptos renunciarem ao que tem direito a receber pelos jogos que já tinham bilhetes (bilhete de época) e agora não poderão ver os mesmos nos estádios.

Na época 2019/2020, os clubes da Bundesliga geraram mais de quatro mil milhões de euros em receitas, de acordo com um relatório da 'DFL' publicado em fevereiro de 2020. Este foi um valor recorde, tal com aconteceu na Segunda Divisão Alemã, que teve receitas de 782 milhões de euros. Ao todo, os 36 clubes das duas principais divisões do futebol alemão faturaram 4,8 mil milhões de euros na época passada, um aumento de 136% ao longo da última década, de acordo com o relatório.

Desses valores, 37 por cento dizem respeito aos direitos televisivos (1,48 mil milhões de euros), num crescimento de 200 milhões de euros. Na época passada, foram vendidos, em média, 42.738 bilhetes por jogo na Bundesliga, a liga de futebol com as melhores assistências do mundo.

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