Um ano, dois meses e dois dias. Foi o tempo que Victor Lindelof esteve sem marcar pelo Benfica (a última foi contra o Paços de Ferreira, vitória por 3-1). Nunca foi um central com veia goleadora, mas isso não o impediu de ser o herói (improvável) do dérbi em Alvalade, e numa modalidade que nele se desconhecia: o livre direto. O sabor amargo que deixou fez lembrar Lisandro López, esta época, no Dragão. E Jardel há duas temporadas, também no reduto dos ’leões’.
O remate teleguiado do sueco não só contribuiu para emendar um disparate de Ederson, que resultou no golo madrugador do Sporting, como permitiu ‘amarrar’ a liderança do campeonato – no pior dos cenários, os quatro pontos de vantagem sobre o FC Porto seriam um, em caso de triunfo sobre o Feirense este domingo. Pode um golo valer um título? Não sabemos. Há, no entanto, uma certeza: a equipa de Rui Vitória continua a depender apenas de si para chegar ao tetracampeonato. E Jorge Jesus, que disse não esperar qualquer surpresa do outro lado, voltou a não vencer a antiga equipa pela terceira vez consecutiva.
O jogo:
Um ano e 22 dias. Foi quanto o Benfica esteve sem sofrer um golo de grande penalidade no campeonato (desde o 5-1 ao SC Braga). A questão chegou a ser escrutinada pelos clubes rivais poucos dias antes do dérbi. Ora em Alvalade, foram precisos apenas cinco minutos e um disparate de Ederson para fazer ruir a teoria de impunidade das ‘águias’: tempo a mais na reposição de bola por parte do guarda-redes, esquecendo-se que Bas Dost não perdoa, ainda mais quando há uma Bota de Ouro em disputa. O holandês acabou por ser travado em falta pelo brasileiro, no mesmo palco onde um ano antes, em plena estreia de águia ao peito, tinha segurado com unhas e dentes a titularidade na baliza. Adrien, marcador de serviço de grandes penalidades, resolveu sem dificuldades.
Enorme sensação de ‘déja vu’ no plantel do Benfica, que sofria com o Sporting aquilo que havia feito ao FC Porto no clássico. Por muita preparação que houvesse para este dérbi por parte de Rui Vitória, um golo logo aos cinco minutos pedia sempre alguns ajustes. Cervi – uma das novidades no figurino inicial das ‘águias’ a par de Jefferson e Paulo Oliveira, nos ‘leões’ – foi para o meio por troca com Rafa e os ‘encarnados’ passaram a ter mais bola, também porque a equipa da casa assim o permitiu. Como seria de esperar, o lado esquerdo da defesa sportinguista foi um alvo a explorar, ainda que sem sucesso, e já só perto do intervalo é que Rui Patrício foi obrigado a aplicar-se, negando o golo de livre a Grimaldo.
O jogo abriu no segundo tempo, ficando mais dividido – destaque para o duelo intenso no meio-campo entre Adrien e Pizzi – com o Sporting, novamente, a fazer as honras da casa. Bas Dost estava em dia ‘não’ e falhou o 2-0 por duas vezes, primeiro num cabeceamento a sair ligeiramente por cima da trave (48’), depois num remate a rasar o poste (53’), ambos após assistência de Gelson Martins (mais uma grande exibição do jovem extremo). Em desvantagem, Rui Vitória optou por reforçar o ataque, lançando Raúl Jiménez para o lugar de Rafa (58’), mas acabou por ser um defesa a fazer balançar as redes da baliza de Rui Patrício, através dum livre cobrado de forma exemplar por Lindelof (66’). Alvalade gelou por momentos.
Já o Benfica pôde respirar um pouco com a igualdade, com o treinador das ‘águias’ a não querer arriscar: tirou Mitroglou e fez entrar Filipe Augusto para o miolo. Podence e Joel Campbell entraram em campo no lado dos ‘leões’, mas o resultado não mais se alterou.
Do dérbi não saiu um vencedor, é certo, mas o empate acaba por ser mais do agrado dos ‘encarnados’ – fecham a temporada sem uma única derrota nos jogos ditos grandes - que dos sportinguistas, que face à notável recuperação nos últimos tempos, sonhavam chegar mais longe na tabela. A outra parte interessada no dérbi, o FC Porto, terá de esperar por um eventual deslize do líder para ascender ao primeiro posto.
O momento:
Golo de Lindelof aos 66 minutos: Foi a estreia do sueco a marcar em clássicos. Numa altura do jogo em que o 2-0 afigurava-se mais provável que o 1-1, um remate do sueco com a parte de dentro do pé direito, em arco, na cobrança de um livre direto, deixou Rui Patrício de joelhos colados ao chão. E os restantes de boca aberta. Um golo extremamente importante na campanha dos ‘encarnados’ rumo ao tetra.
A polémica:
Penálti assinalado a Ederson (3’): O guardião dos ‘encarnados’ derrubou Bas Dost na área, depois de uma má receção. Boa decisão de Artur Soares Dias, que podia ter feito vista grossa ao lance por este ter ocorrido numa fase muito prematura do encontro. Falhou ao não mostrar nenhum cartão ao jogador. O Benfica, de resto, pediu grande penalidade noutros três lances, com razões de queixa em dois deles – Schelotto derruba Grimaldo (40') e Bruno César empurra pelas costas Lindelof (41').
Os melhores:
Pizzi: Foi, uma vez mais, o pensador do meio-campo ‘encarnado’, travando intensos duelos com Adrien. Não marcou, nem assistiu, mas foi o principal elo de ligação entre a defesa e o ataque benfiquista. Para Fernando Santos ver.
Lindelof: Não era fácil travar o ímpeto goleador de Bas Dost, e apesar de algumas dificuldades, a verdade é que o central pode sair de Alvalade com a consciência tranquila: o holandês ficou em branco, algo que já não acontecia há algum tempo. O golo, mencionado anteriormente, foi a cereja no topo do bolo.
Gelson: O principal desequilibrador no ataque do Sporting, deixando Grimaldo em apuros em algumas ocasiões. Mostrou ter mais andamento que os companheiros de equipa, pelo menos neste jogo em específico.
Os piores:
Ederson e Rafa: O primeiro, pelo erro clamoroso que resultou na grande penalidade convertida por Adrien. O segundo, pela exibição apagada numa altura em que começava a crescer de rendimento, fosse no apoio a Mitroglou ou quando passou para o lado esquerdo. Foi o primeiro a ser substituído.
Cânticos ofensivos e desacatos: Lamentável alguns cânticos que se fizeram ouvir de parte a parte, nomeadamente depois do triste episódio que resultou na morte de um adepto do Sporting. Por muito exaltados que estejam os ânimos, nada justifica as recentes atitudes dos adeptos (e alguns dirigentes) que têm contribuído para o empobrecimento da modalidade.
As reações:
Rui Vitória: "Mostrámos porque estamos em primeiro"
Jorge Jesus: "A haver um vencedor teríamos de ser nós"
Pizzi: “Equipa teve uma reação fantástica”
Adrien Silva: "Nós tivemos as oportunidades mais claras para matar o jogo"
Luís Filipe Vieira: "Não podem andar a atirar as pedras e depois esconder a mão"
Curiosidades (fonte: playmakerstats):
- Jorge Jesus bateu recorde de jogos consecutivos sem perder no Sporting, numa época (oito vitórias e dois empates em 10 jogos)
- Há três jogos que o Sporting não vence qualquer clássico, sendo este o pior registo desde 2013/14, quando Leonardo Jardim terminou uma série de 10 jogos
- Benfica está há sete jogos consecutivos sem perder (três vitórias e quatro empates), igualando o melhor registo de 2017
- Este foi o primeiro dérbi no século XXI entre Sporting e Benfica a ser decidido com dois golos de bola parada (todos os golos do jogo)
- Rui Vitória termina pela primeira vez uma época sem derrotas em clássicos (uma vitória e três empates)
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