Relatório sobre adversário, análise do vídeo do próprio jogo, scouting, transferências. Reunião de equipa, lesões, ‘mental coach’. Desengane-se quem pense que jogar FIFA nas consolas é apenas sentar-se no sofá, escolher a equipa e começar a marcar golos. Quem levar isto mais a sério tem de investir - muito tempo e dinheiro - no jogo para chegar a um nível profissional. Em Portugal, pode-se considerar que apenas quatro jogadores fazem do jogo eletrónico de futebol FIFA o seu ‘ganha-pão’: Gonçalo 'Rastaartur' Pinto, Tiago Araújo 'tiagoaraujo10', João Oliveira 'JOliveira10' e Bruno Rato. Para tal, é preciso um investimento ao longo do ano, investimento esse que só poucos jogadores conseguem recuperar. Os principais jogadores em Portugal recebem entre dois mil a três mil euros por mês dos seus clubes, longe dos 20 ou 30 mil euros que são pagos lá fora aos melhores.

A criação do FPF eSports pela Federação Portuguesa de Futebol veio dinamizar a comunidade FIFA. Este departamento que está a cargo de Raul Faria, conta com mais de 250 equipas espalhadas por várias divisões e é responsável pela organização dos principais eventos de FIFA em Portugal. Há mais de 14 mil jogadores inscritos na plataforma eSports da FPF. O investimento já começa a dar frutos, numa área onde os portugueses também fazem muito com pouco: a seleção Nacional de futebol eSports é o atual terceiro do ranking da FIFA, classificação conseguida na primeira edição do Mundial de FIFA para seleções, onde os lusos chegaram até às meias-finais.

Aos poucos, os clubes de futebol vão despertando-se para a realidade, investindo mais nos eSports. O Benfica anunciou esta quinta-feira a criação da sua equipa de futebol virtual. Um passo que o Sporting tinha dado em 2016, com a criação de um departamento dedicado aos jogos eletrónicos. O clube começou por contratar Quinzas, campeão mundial de FIFA em 2011. Depois de ver sair Rastaartur em 2019, contratou Wendel Lira, antigo jogador profissional de futebol de onze, que venceu o prémio 'Puskas' para o Melhor Golo do Ano em 2015. O brasileiro junta-se assim a Diogo Mendes e Bruno Rato na formação leonina. A 'For the Win Legacy', que conta com Tiago Araújo é a principal organização da atualidade, já que acaba de vencer a Taça da Liga, levando para casa seis dos últimos sete troféus da FPF eSports.

A equipa 'For The Win' venceu seis dos últimos sete troféus da FPF eSports
A equipa 'For The Win' venceu seis dos últimos sete troféus da FPF eSports créditos: For The Win

Lira não é o primeiro futebolista a trocar os relvados pela consola. O RB Leipzig tem nas suas fileiras um jogador que é profissional de futebol de onze e ainda faz parte da equipa de FIFA do clube alemão: trata-se de Diego Demme, médio internacional alemão. Recentemente, o Philadelphia Union, dos EUA, contratou Jay Ajayi, antigo campeã de futebol americano pelos Philadelphia Eagles, para a sua equipa profissional de FIFA.

Lá fora, a Alemanha foi dos primeiros países europeus a criar uma Liga de desportos eletrónicos baseado no FIFA, em setembro de 2018, com a participação dos 36 clubes da Primeira e Segunda Divisões. O crescimento deste desporto levou a McDonald´s, a gigante de 'fast food' norte-americana, a terminar a sua parceria de 15 anos com a Federação Alemã de Futebol para investir nos eSports na Alemanha, tal como já fazia em Espanha, onde é o patrocinador oficial de La Liga eSports.

FPF eSports mudou a realidade do FIFA em Portugal

Foi preciso esperar até 2017 para a Federação Portuguesa de Futebol lançar um departamento dedicado apenas aos eSports, como forma de "fomentar uma cultura de jogos online que privilegie a participação, o respeito e a competição entre os jogadores". Uma necessidade face a aquilo que era uma tendência a nível mundial: o crescimento dos desportos eletrónicos.

Em Portugal, a época arranca depois do lançamento do jogo FIFA, em finais de setembro, início de outubro e vai até ao verão, terminando com a Supertaça em agosto. Ao todo, o departamento de desportos eletrónicos da FPF organiza mais de 30 competições durante a época tanto no um contra um, dois contra dois e onze contra onze, nas várias plataformas: PlayStation4, Xbox e PC. O Master ou Liga de 1x1 é a principal prova, com várias etapas ao longo da época, que vai de encontro a alguns eventos.

"Já tivemos uma etapa no XL Games World, outra em Famalicão com o Christmas Challenge. Teremos mais etapas neste 2020 que irá culminar numa grande final onde se juntam os melhores atletas de todas as etapas para coroar o campeão nacional. É a grande competição a nível individual. Também temos a Taça de Portugal, este ano organizado de 2x2 e que terá a final no Jamor. Temos as provas de 11x11 que está a decorrer a Taça da Liga e depois a Liga que arranca em fevereiro. É um formato mais tradicional, jornada a jornada, nos fins de semana. É uma competição pensada para os clubes, ao contrário do 1x1 mais pensada para o individual", conta-nos Raúl Faria, coordenador dos eSports da Federação Portuguesa de Futebol.

"Um jogador que vença todas as etapas e a grande final, em Portugal, consegue ganhar mais de 10 mil euros líquidos"

Mais de 14 mil jogadores estão inscritos na plataforma do FIFA da FPF, em representação de mais de 250 clubes (no formato de 11x11 há subidas e descidas de divisão, com os clubes a jogarem em cada fim-de-semana uns contra os outros, em cada jornada). O departamento de eSports estima que haja mais de 150 mil praticantes da modalidade em Portugal. Desde a sua criação em 2017, já se realizaram mais de 10 mil jogos na plataforma nas diversas provas, de acordo com a FPF, além da presença do organismo em vários eventos, como aquele em que a FPF colocou os jogadores do Wolverhampton, Rúben Neves e Diogo, Jota, internacionais de futebol de onze por Portugal, a jogar FIFA frente a Rastaartur e Tuga810, num vídeo visto por mais de um milhão de pessoas.

eSports: os números em Portugal

Número de equipas inscritas na FPF: + de 250.

Número de jogadores inscritos: + de 14000.

Distribuição, por idade e sexo, dos jogadores inscritos:
40% dos 18 a 24 anos | 30% dos 25 aos 35 anos | 30% restantes.
92% Masculino, 8% Feminino.

Número de competições de 1x1, 2x2 e 11x11: + de 20 competições durante a época.

Principais competições:
FPF eSports Masters – Liga de 1x1
Taça de Portugal – 2x2
Liga Portuguesa de Pro Clubs – 11x11

Número de jogos da Selecção de Portugal lá fora: 26 Jogos (8 Vitórias, 13 Empates, 5 derrotas)

Jogadores com mais palmarés na Selecção: Rastaartur e Tuga810

Títulos internacionais ganhos por Portugal e respectivos vencedores:
Francisco “Quinzas” Cruz – Campeão do Mundo em 2011;
Diogo “Tuga810” Pombo – Vencedor de uma etapa internacional em Atlanta – 2019

Competições em Portugal já participou: FIFA eNations Cup 2019

Ranking de Portugal na Europa e no Mundo: 3.º no Ranking Mundial.

Fazer muito com pouco: é assim Portugal lá fora no FIFA eSports

Numa modalidade em franca expansão, poucos são os que conseguem viver apenas a jogar FIFA. Gonçalo 'Rastaartur' Pinto, Tiago Araújo 'tiagoaraujo10', João Oliveira 'JOliveira10' e Bruno Rato são os verdadeiros profissionais em Portugal. De todos, Rastaartur é aquele que tem o melhor palmarés. O português de 20 anos arrecadou pouco mais de 12 mil euros em 2019 no FIFA em torneios, longe dos 258 mil euros que o alemão Mohamed 'MoAubameyang' Harkous (atual campeão do Mundo, finalista derrotado em 2018) ganhou, de acordo com o 'esportsearnings.com'. Ao todo o alemão arrecadou 301 mil euros no jogo em 2019. Os valores citados referem-se a ganhos em torneios e em jogos online, sem contar com o que lhes é pago pelos clubes ou organizações que representam. Mas o mesmo site coloca outro português, o Diogo 'Tuga810' Pombo, entre os 14 jogadores que mais dinheiro amealharam em torneios em 2019 (51,6 mil euros), ele que venceu a etapa de Atlanta do 'Foot Champions Cup' de 2019 para a PlayStation 4, tendo arrecadado 18 mil euros nesse ‘Major’ nos EUA.

eSports: MoAubameyang é o atual campeão do Mundo de FIFA
eSports: MoAubameyang é o atual campeão do Mundo de FIFA créditos: AFP

Essa diferença também se vê nas capacidades das equipas. Os principais emblemas estrangeiros de eSports, além de pagar salários de 20 a 30 mil euros aos jogadores, ainda disponibilizam financiamento para os FIFA Coins. Estes dados ajudam a perceber como os portugueses tem vindo a ser gigantes ao conseguirem apurar-se para os principais 'majors' internacionais e obter bons resultados.

Apesar dos números, o FIFA não está na lista dos videojogos com maior 'prize pool. Em 2019, foram distribuídos 2,9 milhões de euros em prémios a 304 jogadores nos 34 eventos oficias disputados, longe dos 31,5 milhões de euros distribuídos no Campeonato do Mundo de Dota 2, o jogo que mais dinheiro deu em prémios.

Para atrair cada vez mais jogadores e premiar o talento nacional, a FPF tem investido muito nos prémios aos vencedores e participantes nas etapas finais de cada prova. "No XL Challenge tivemos um 'prize money' de cinco mil euros, três mil para o vencedor que foi o Rastaartur. No 'Christmas Challenge' tivemos cinco mil distribuídos pelos oito finalistas onde o vencedor ganhou dois mil, que foi o Tiago Araújo. O grande 'prize money' é na Grande Final, onde o ano passado deu dez mil euros e o vencedor levou seis mil euros para casa, que foi o Gonçalo ‘Troppez’ Brandão, o atua campeão Nacional", recorda.

"Um jogador que consiga ganhar todas as etapas e a grande final, em Portugal consegue ganhar mais de 10 mil euros líquidos, entregues pela FPF diretamente aos jogadores. Desde 2017 já distribuímos mais de 50 mil euros em prémios", assegura Raúl Faria.

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Apesar dos parcos recursos, Portugal tem vindo a fazer muito com pouco. Terminou 2019 com dois jogadores nas oito primeiras posições no ranking mundial de PlayStation4, o Rastaartur e o Tuga810. Em 2011, Francisco 'Quinzas' Cruz, com apenas 16 anos, tornou-se no primeiro português a sagar-se campeão do Mundo no FIFA, numa prova que teve lugar em Los Angeles, nos EUA, no FIFA Interactive World Cup 2011. Nesta prova estiveram os 24 melhores jogadores do mundo ao longo, que conseguiram apurar-se após dez eventos de qualificação. Quinzas foi o mais jovem vencedor deste torneio mundial, que teve mais de 900 mil jogadores de todo o mundo. No final, além do título, levou para casa um prémio monetário no valor de 20 mil dólares, qualquer coisa como 18 mil euros.

A partir desta sexta-feira, o nome de Portugal volta a ser falado a nível internacional, com a participação de João Oliveira e Diogo Mendes no FUT Champions Cup Stage III de FIFA2020, em Atlanta, o primeiro na plataforma Playstation4, o segundo na Xbox. Para chegar a Atlanta, João Oliveira teve de passar uma primeira fase, num qualificador que teve mais de 1500 jogadores, a segunda fase teve 220 jogadores. Destes, só passaram 16 da Europa, para representar o continente na Playstation4.

Raúl Faria, responsável pelo eSports na FPF
Raúl Faria, responsável pelo eSports na FPF

"Estou realmente confiante que irei fazer uma prestação muito boa nos EUA. Há muito que ansiava por uma prova destas para mostrar o meu valor a nível internacional, já que em Portugal todos sabem quem é o JOliveira. O mínimo será passar a primeira fase, chegar aos oitavos de final. Depois tudo é possível", conta-nos João Oliveira.

"Chegar às meias-finais seria fantástico já que daria acesso ao Major de Paris. Isto seria extremamente importante para mim, não só pelos pontos que isso daria e me colocaria mais perto dos play-offs que dão acesso ao Campeonato do Mundo, como ajudaria a estabelecer o meu nome a nível internacional", completa. Este 'major' dá 60 mil dólares ao vencedor e qualifica os quatro primeiros para o 'major' de Paris, além de contribuir para o ranking individual que contará muito nos play-offs de acesso ao Campeonato do Mundo.

João Oliveira: "É difícil explicar à família que queremos fazer vida disto. Eles não percebem"

João Oliveira é um dos nomes mais conhecidos no panorama de jogos online em Portugal. Aos 24 anos, este antigo jogador das camadas jovens de futebol do Rio Ave é um dos quatro portugueses que vivem exclusivamente do FIFA. Começou aos 12, passou a jogar de forma competitiva aos 17, mas só há dois anos se tornou profissional. Além de jogador profissional, João Oliveira, mais conhecido por JOlveira10 no mundo FIFA, é streamer, tem um canal no Twitch (plataforma de streaming) que esta no top mundial no que diz respeito a FIFA e um canal no Youtube com quase 90 mil subscritores. Aqui faz-se valer do curso de multimédia que tirou quando terminou o 12.º para criar conteúdos sobre o jogo, crescer e trazer mais pessoas para a comunidade FIFA. Além disso, tem algumas marcas que o patrocinam, como o a Lenovo e o Casinos Portugal.

"Há dois anos os meus diziam-me que isto não era futuro, neste momento apoiam-me, vêem os meus torneios"

Nesta caminhada difícil, primeiro teve de convencer os pais que podia fazer a vida nos jogos eletrónicos.

"No início, os meus pais diziam que eu devia olhar para outras realidades, que isto é extremamente difícil, complicado. É difícil explicar aos mais velhos da família que queremos fazer vida disto. Eles não percebem, é normal, todos querem o melhor futuro para os seus filhos. Só começou a entrar na cabeça dos meus pais quando começaram a ver os resultados e tudo o que engloba isto em termos financeiros. Aí começam a perceber que vale a pena, é uma boa alternativa, é um bom mundo. Há dois anos eles diziam-me que isto não era futuro, neste momento apoiam, vêem os meus torneios", conta este vila-condense aos SAPO Desporto.

Para João Oliveira, quem quer ser profissional tem de estar a 100 por cento no FIFA.

"Há um problema para muitos jogadores de FIFA que não são profissionais. Chega a um ponto da nossa vida em que temos de tomar uma decisão: não dá para meter muitas horas nisto e estudar. Felizmente consegui chegar a um patamar para viver só do FIFA. Caso contrário teria de continuar a jogar e isso iria prejudicar o meu jogo. Ou teria de arranjar um trabalho e isso iria prejudicar o meu jogo", confessa.

João Oliveira, jogador de FIFA eSports
João Oliveira, jogador de FIFA eSports

A passagem de semiprofissional para profissional implicou mudanças na forma com João Oliveira via o jogo.

"Quando não era profissional, chegava a jogar seis, sete, oito horas por dia, até pela madrugada adentro, às vezes ia dormir tarde, algo que não é positivo e por isso os meus pais chamavam-me a atenção, não aceitavam. Porque na altura sentia que tinha de melhorar alguns aspetos do meu jogo, é preciso treinar muito, para melhorar os pontos negativos. Hoje estou no meu auge competitivo. Não é tanto melhorar, mas adaptar os jogadores ao nosso estilo de jogo. Usar um Mbappé na direita é completamente diferente de usar um Garrincha, que é uma das lendas do jogo, ele não é tão rápido, mas é técnico. Se uso Cristiano Ronaldo na frente, é diferente se usar o Ronaldo Fenómeno. Se usar o Cristiano Ronaldo, é diferente se jogar com Messi ou Aubameyang ao seu lado, são dinâmicas diferentes. O Messi vem buscar jogo atrás, tem de aparecer nas alas e tudo isso cria uma preparação de jogo diferente, consoante os jogadores. É preciso usar a dinâmica perfeita" explica, João Oliveira, ele que tem como melhor resultado em torneios no estrangeiro a vitória no Madrid Global Series da PlayStation, onde marcaram presença os oito melhores jogadores nacionais.

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"Há quem pense que, se calhar, passamos seis a sete horas a jogar por dia, não é bem assim. Se calhar são seis horas dedicadas ao jogo, mas não só jogar: jogamos, olhamos para outras coisas. Por exemplo, para este torneio em Atlanta, quando jogamos os qualificadores, jogamos com as nossas equipas, mas aqui, eles disponibilizam todos os jogadores do jogo para nós podermos montar e criar a nossa equipa. Temos de ver que jogadores levar, consoante o adversário, etc. É um trabalho como qualquer outro, se não investirmos essas horas no jogo, essa dedicação, é impossível termos resultados", garante.

Aqui, a vertente tática tem muita importância. Observar o adversário e conhecer o seu estilo, ajuda o jogador a estar mais perto da vitória.

"Para fazer pesquisa sobre o adversário, depende muito se o conheço ou não. No qualificador, calhei contra o MoAubameyang, que é o atual campeão do Mundo, sabia qual o estilo dele, é um jogador conhecido. Vi os outros ‘Majors’ que não participei, e assim fico a conhecer alguns jogadores. Não é que isso mude muito no meu jogo, mas ajuda-me a adaptar-me. Se sei que um jogador ataca muito a zona exterior, obviamente que vou ter mais algumas cautelas ali nessas zonas quando o defrontar", explica. Por aqui se vê que, tal como no futebol profissional nos relvados, os pormenores fazem a diferença.

Um dos aspetos negativos do jogo é o facto de serem os jogadores a investir nas suas equipas, de forma a progredir e ter os melhores resultados. João Oliveira confessa que investiu dois mil euros na sua equipa no FIFA2020. Se em Portugal pode ser visto como um grande investimento, quando comparado com o que se faz lá fora, a realidade é diferente. "Há jogadores alemães e franceses que gastam logo 15 mil euros assim que o jogo sai. Gastar dois mil euros dá-te a hipótese de ter uma boa equipa para competir, gastar 10, 15 mil euros, tens a melhor equipa e estás completamente à vontade", garante.

eSports: tudo preparado para mais um jogo
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Entre a licenciatura e o FIFA2020: José 'Runrun' Soares quer ter um ‘Plano B’

José 'runrun' Soares não se coloca no lote de jogadores profissionais de FIFA. Além das horas que passa no jogo, este atleta que representa as cores dos Leões de Porto Salvo nos eSports está a tirar a licenciatura em Gestão Desportiva, na Universidade Autónoma de Lisboa.

"Gravo os jogos e fico analisa-los, ver onde posso melhorar ou não, o que fiz bem e o que fiz mal"

"É possível conciliar o FIFA com os estudos. Além da faculdade e do FIFA, gosto muito de fazer exercício físico, gosto de treinar. Tento ajustar as horas para fazer as coisas. No final deste mês tenho exames, pelo que não tenho aulas. Então acordo todos os dias por volta das oito, nove da manhã, tomo o pequeno almoço, a hora do almoço vou ao ginásio e depois dedico seis horas ao FIFA. Quando estou na fase de torneios, dedico seis horas. Fora dos torneios, reduzo o tempo. Nas seis horas que estou a jogar, faço no máximo seis a oito jogos, gravo os jogos e fico analisa-los, ver onde posso melhorar ou não, o que fiz bem e o que fiz mal, e também gosto de alguns vídeos de pessoas que gosto de ver jogar para tentar implementar algo deles no meu jogo", explica José Soares.

Os treinos são feitos online com alguns jogadores nacionais, mas também estrangeiros. Cada jogador escolhe um adversário que tenha ou mesmo nível ou que esteja num patamar acima. "Quando estou perto de torneios nacionais, prefiro jogar com jogadores estrangeiros para os nacionais não perceberem o que estou a fazer", explica 'Runrun' ao SAPO Desporto.

José Soares joga FIFA desde 2004 mas só em 2016 começou a levar o jogo mais a sério. Esse investimento deu frutos já que em 2017 venceu o 'Lisboa Games Week' e no ano seguinte ganhou a Taça da Liga de eSports da FPF. Antes, tinha sido campeão espanhol em 2016 e participou num campeonato da Europa da Liga Playstation, um torneio com seis internacionais. Pelo meio, José Soares teve de mudar a forma com via o jogo. Ficava ansioso antes dos torneios, queria ganhar. E essa ansiedade acabava por ser prejudicial no seu jogo.

"A mudança deu-se quando percebi que estava a levar isto demasiado a sério, e era por isso que, se calhar, os meus resultados não saíam. Atualmente vejo as coisas de forma diferente: isto é um jogo, é uma profissão, mas no final do dia as pessoas vão estar todos aqui a mesma, a vida vai continuar tudo igual, é desfrutar do momento, algo que já não estava a conseguir, não tirava prazer do jogo", garante.

José 'runrun' Soares, jogador de FIFA eSports
José 'runrun' Soares, jogador de FIFA eSports

O futuro é incerto, mas José Soares tem os pés bem assentes na terra. Emigrar é uma hipótese.

"Se a oportunidade de emigrar para um clube estrangeiro surgir e for uma proposta interessante, obviamente que vou pensar no assunto. O dinheiro não é tudo, mas o mundo gira sempre à volta do mesmo. O meu objetivo é ser profissional só de FIFA. Mas antes quero acabar o meu curso, onde coloco bastante empenho. Tenho a certeza que não vou ser jogador de FIFA para sempre, é sempre útil termos um plano B e os recursos que temos de jogar no futuro", esclarece, ele que está no segundo ano da licenciatura.

Aqui também há leões e algumas são irreversíveis. É preciso cuidar do físico e ter cuidados com a alimentação

Tal como na vida real, o futebol nas consolas também acarreta perigos para a saúde. E este é um campo onde os jogadores têm investido também, até porque um jogador em melhor forma física estará melhor preparado para os desafios. A perda de visão, problemas digestivos ou lesões nas mãos e nas costas estão entre os principais perigos dos eSports para a saúde dos atletas.

A síndrome do túnel do carpo é a doença que mais afeta os profissionais de desportos eletrónicos. Esta síndrome ocorre devido aos gestos repetitivos da mão e do punho. A pessoa afetada pode sentir dormência, dor ou formigueiro nos dedos. Nos casos mais graves pode ser necessária uma intervenção cirúrgica. Para alguns jogadores esse problema implica inclusive a sua retirada como profissional de jogos eletrónicos.

Outro risco dos eSports: a pressão nervosa às vezes extrema dos jogadores, em particular quando estão em jogo quantias astronómicas de dinheiro que poderiam solucionar as suas vidas financeiras.

Todos estes perigos levam as equipas com mais poderio económico a recorrer a cinesiólogos, preparadores físicos e psicólogos. Mas a maioria não o faz devido aos custos. Outros profissionais simplesmente não têm consciência da importância de uma boa alimentação, de fazer exercícios ou de se sentar corretamente enquanto jogam. Este não é caso de João Oliveira.

Jogador de eSports
Jogador de eSports créditos: AFP

"Trabalhar o corpo e a vertente física é das coisas mais importantes no eSports. Há jogadores claramente acima do peso, mas eu desde que comecei a ir mais ativamente ao ginásio, senti uma evolução gigantesca em termos de concentração: a minha mente está melhor, consigo estar concentrado durante muito mais tempo e sinto que isso faz a diferença. Joguei futebol nas camadas jovens do Rio Ave, depois deixei de praticar desporto, ganhei peso e tive de ir ao ginásio. Há quem tenha um ‘mental coach’ a trabalhar com eles, até porque este jogo é claramente mental: ganha-se muito na capacidade de resiliência, nunca ir-se a abaixo, ter um 'mindset' positivo, ter confiança. Eu não tenho essa questão, mas quem sabe se posso adicionar isso nos próximos tempos ao meu jogo", explica.

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Esta também é uma das preocupações da divisão de eSports da Federação Portuguesa de Futebol, como nos conta Raúl Faria.

“Temos trabalhado com a Unidade de Saúde e Performance onde fazemos o acompanhamento dos jogadores que participa nas nossas competições, levamos os atletas aos estádios de futebol, criamos ambiente saudável, de promoção de futebol. Tentamos que o jogador de eSports consiga criar essa ligação ao mundo do futebol, porque é algo que vai acontecer naturalmente", garante.

A superstição é outro elemento que acompanha os jogadores. José 'runrun' Soares gosta de levantar cedo no dia dos torneios, ouvir música antes das provas para estar 'zen' quando a bola rolar. João Oliveira vai mais além.

"Eu sou muito supersticioso: gosto de ouvir música antes de ir para estes torneios. Faço sempre as mesmas coisas: meto o telemóvel no mesmo sítio, tiro o relógio, é bastante possível que jogue com os mesmos equipamentos que usei nos últimos tempos só pela questão da superstição. Nos dias de torneio gosto de acordar cedo, também por causa da ansiedade, nunca durmo muito bem antes. Tenho de encarar o torneio sem pressão. Se uma pessoa começa a pensar no peso e na importância do torneio, as coisas vão correr pior. Quero estar tranquilo".

Jogadores da Seleção Portuguesa de FIFA eSports
Jogadores da Seleção Portuguesa de FIFA eSports créditos: FPF

O futuro é os Jogos Olímpicos

Um dos desejos dos praticantes de eSports é ver essa modalidade chegar aos Jogos Olímpicos como modalidade desportiva, como já acontece com alguns países. O Comité Olímpico Internacional explicou que ainda é cedo para incorporar os eSports mas que no futuro estaria aberto a ouvir novas sugestões. No entanto, Thomas Bach, presidente do Comité Olímpico, disse à 'Associated Press' que os jogos mais violentos, incluindo títulos de estratégia com aspetos militares, ou que sejam propriedade intelectual de uma empresa, são “contraditórios aos valores Olímpicos e, por isso, não podem ser aceites".